O livro do desassossego - Fernando Pessoa
(...)
Passando às vezes na rua, ouço trechos de conversas íntimas,
e quase todas são da outra mulher,
do outro homem,
do rapaz da terceira ou da amante daquele,
(...)
Levo comigo, só de ouvir estas sombras de discurso humano que é afinal o tudo em que se ocupam a maioria das vidas conscientes,
um tédio de nojo,
uma angústia de exílio entre aranhas e a consciência súbita do meu amarfanhamento entre gente real;
a condenação de ser vizinho igual,
a condenação de ser vizinho igual,
perante o senhorio e o sítio,
dos outros inquilinos do aglomerado,
espreitando com nojo,
por entre as grades traseiras do armazém da loja,
o lixo alheio que se entulha à chuva no saguão que é a minha vida.
(...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário