terça-feira, 18 de outubro de 2016

Um tédio de nojo


O livro do desassossego - Fernando Pessoa



(...) 

Passando às vezes na rua, ouço trechos de conversas íntimas, 
e quase todas são da outra mulher, 
do outro homem,
do rapaz da terceira ou da amante daquele, 

(...) 


Levo comigo, só de ouvir estas sombras de discurso humano que é afinal o tudo em que se ocupam a maioria das vidas conscientes, 
um tédio de nojo, 
uma angústia de exílio entre aranhas e a consciência súbita do meu amarfanhamento entre gente real; 
a condenação de ser vizinho igual, 
perante o senhorio e o sítio, 
dos outros inquilinos do aglomerado, 
espreitando com nojo, 
por entre as grades traseiras do armazém da loja, 
o lixo alheio que se entulha à chuva no saguão que é a minha vida. 

(...)